Eu não me lembro exatamente quando foi a primeira vez que tive contato com o lettering. Como alguém que sempre gostou de desenhar e que cresceu rodeada de tintas e canetinhas, eu já havia desenhado um montão de letras, mas sem ter a menor noção de que isso tinha nome! Folheando meus sketchbooks, o registro mais antigo que encontrei de um lettering meu data do ano de 2015. Certamente não foi o primeiro que fiz, mas deve ser o mais antigo que mantive guardado. Acredito que naquele momento em meados de 2015, eu já tinha alguma ideia, muito superficial diga-se de passagem, do que era lettering e do que eu estava fazendo (ou tentando fazer). Mas apesar de saber que desenhar letras é algo que tinha nome próprio, eu não fazia a menor ideia de que estava apenas tateando no escuro aquilo que era só a pontinha do iceberg.
O lettering é uma técnica que faz parte de um todo muuuuito maior, que está por aí há cerca de 2 mil anos: as letras e a escrita como conhecemos e utilizamos hoje em dia e que têm sua origem nas maiúsculas imperiais romanas.
Maíusculas Imperiais Romanas gravadas na Coluna de Trajano, concluída no ano 113. Está localizada na cidade de Roma, na Itália.
O objetivo desse post não é contar a origem da escrita, mas pontuar que por trás de cada letra existe técnica, existe um porque que sustenta cada forma. Existe história!
Além disso, de uma forma mais prática, o objetivo desse post é trazer conceitos muito básicos, mas que são fundamentais quando falamos do universo das letras. Estou falando sobre as diferenças entre caligrafia, lettering e tipografia. São termos que num primeiro momento, podem causar confusão para quem está começando a se aventurar nessa jornada, já que na verdade eles se referem a coisas muito diferentes, mas que estão completamente interligadas.
A mãe de todos! A caligrafia é a arte da escrita, do escrever de forma bela, geralmente a partir de modelos históricos. Na caligrafia, o resultado produzido é diretamente influenciado pela ferramenta utilizada, produzindo diferentes tipos de contraste, que nada mais é do que a diferença entre as partes finas e grossas das letras.
Penas de ponta flexível, pincéis redondos e brush pens, por exemplo, produzem o contraste de expansão. Ou seja, a variação de pressão aplicada sobre a ferramenta determina o contraste. Alguns exemplos de estilos com contraste de expansão: cursiva inglesa, spencerian, brush script.
Penas de ponta quadrada, pincéis de ponta chata e parallel pen, por exemplo, produzem o contraste de translação. Este tipo de contraste é determinado através da angulação da ferramenta sobre o papel/superfície. Alguns exemplos de estilos com contraste de translação: gótica textura, fraktur, itálicas, maiúsculas romanas.
O lettering é o desenho das letras. A Martina Flor, em seu livro “Os Segredos de Ouro do Lettering”, define como lettering letras que “são criadas especialmente para uma situação e com um propósito. Nesse sentido, pode ser comparado à ilustração – uma ilustração feita com letras.”
Algumas pessoas também usam o termo hand lettering, para especificar peças de lettering que são feitas à mão.
De certa forma, é possível dizer que o lettering é mais livre que a caligrafia. Ele permite uma infinita exploração de diferentes meios, ferramentas, formatos e superfícies. Podemos ir muito além do lápis, papel e da tela do computador. Ele pode emular modelos caligráficos e tipográficos, ou buscar soluções mais inusitadas, aproximando ainda mais as letras do universo da ilustração.
Mas aqui vale uma ressalva muito importante: livre não quer dizer que não há “regras”, que não há certo e errado necessariamente. Levando em conta que a caligrafia é a origem, é a partir dela que as formas das letras são construídas e têm suas características determinadas, e estas formas e características clássicas devem ser levadas em consideração, inclusive na hora de criar um lettering. E também vale aquela máxima: conheça a regras, saiba como aplicá-las para só então poder quebrá-las. Nada como um arroz e feijão bem feitos!
Outra ressalva que gostaria de fazer, é sobre alguns termos específicos que se popularizaram muito nos últimos anos aqui no Brasil. Talvez você já tenha se deparado internet a fora com um “fake calligraphy”, “faux calligraphy”, ou “falsa caligrafia”. Já viu algum desses por aí? A verdade é que esses termos não os mais adequados. Muitas vezes vejo eles sendo aplicados para situações em que o trabalho em questão é na verdade um desenho de uma caligrafia cursiva. O que no final das contas, não é nada mais e nada menos que o bom e velho lettering.
Quer começar no lettering? Esse post tem algumas dicas legais (e não muito óbvias!) pra ti!
No livro “Pensar com Tipos”, a autora Ellen Lupton define tipografia como “imagens manufaturadas para repetição infinita”. Trata-se, basicamente, das fontes digitais, que usamos diariamente em nossos dispositivos. São sistemas modulares de alfabetos completos, criados de forma que todas as letras funcionem em harmonia entre si. Os profissionais que criam fontes tipográficas são conhecidos como type designers.
Mas nem sempre foi assim, pixels em uma tela. A tipografia também tem muita história. E ela passa por Johannes Gutengberg lá na Alemanha, no início do século XV, com a invenção dos tipos móveis. Em uma época em que todos os livros e documentos eram manuscritos pelos escribas, a prensa de tipos móveis criada por Gutenberg permitiu a reprodução em escala, o que representou uma verdadeira revolução.
Bíblia de 42 linhas, primeiro grande livro impresso na Europa Ocidental, na prensa de tipos móveis criada por Gutenberg, entre os anos 1450 e 1455.
Desde então a tipografia passou por inúmeras evoluções e adaptações até chegar na incrível variedade de fontes digitais que conhecemos e utilizamos hoje.
Caligrafia é a arte da escrita. Lettering é o desenho das letras. Tipografia é o sistema de fontes.
Por hoje é isso! Espero que esse post tenha acrescentado um tiquinho que seja de conhecimento por aí do outro lado da tela. Eu sigo aberta à sugestões e críticas para fazer com que esse blog tenha conteúdos cada vez mais interessantes.
Um beijo e até logo!